Dando continuidade ao artigo anterior em que trouxemos os conceitos de ISO e Acreditação Hospitalar, neste artigo abordaremos um sistema muito comum às empresas e indústrias de alimentação, que é o APPCC (Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle), ou em inglês, HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Point).
O produto caminha a partir do seu recebimento e armazenamento, sendo preparado em fases, até sua entrega final para consumo. Portanto, cada fase desse processo deve ser monitorada e controlada, sem gargalos ou em que as fases sejam “puladas”, para suprir eventuais atrasos ou encomendas urgentes. O processo deve ser preservado, na íntegra, em todas as fases, pois, afinal, “a dor do arrependimento é muito maior que a dor da disciplina”.
- Objetivos do APPCC
Este é um sistema de gestão de segurança alimentar. Tem como foco as diversas etapas da produção de alimentos, analisando os perigos potenciais à saúde dos consumidores, determinando medidas preventivas para controlar esses perigos através de pontos críticos de controle. Atualmente, um sistema de APPCC pode ser certificado pela ISO 22000.
O processamento de alimentos pode ter como principais perigos a contaminação dos alimentos, devido a possíveis deficiências no ambiente físico de produção, químicas ou microbiológicas, que podem ocorrer durante todas as fases do processo, desde a recepção das matérias-primas, seu armazenamento, na preparação, confecção, até o delivery para o cliente e consumidor.
Há, ainda, muitas empresas de alimentação com cozinha central de produção a quente, que distribuem aos seus consumidores, com possibilidades de risco, além da possível insatisfação do cliente, devido ao trânsito das grandes cidades, gerando atrasos de entrega. Há também as empresas de grande porte, que possuem uma planta de cozinha central de produção, distribuindo entre restaurantes que funcionam como cozinha de acabamento, bem como aquelas que, com maior segurança no transporte, atuam na produção da linha fria completa, com os sistemas cook & chill tradicional, cook & freeze e sous-vide.
De qualquer forma, independentemente ao sistema de produção, havendo proximidade ou não, este sistema deve ser monitorado para garantir a segurança total da operação, não colocando em risco a imagem da empresa de alimentação e nem intercorrências que coloquem em risco o seu cliente, com paralizações devido à DTA (Doenças Transmissíveis por Alimento e Água).
- Sistemas de congelamento de alimentos
Em Chicago, no ano de 1878, surgiram as primeiras instalações refrigeradas e, dois anos após, foi realizado o primeiro transporte de carne congelada entre Argentina e França. Em 1910 surgiram os primeiros frigoríficos domésticos e, em 1925, iniciou-se a comercialização de alimentos congelados. Desde meados da década de 1970 foi introduzida uma série de sistemas de produção, procurando manter níveis de atividades a um custo reduzido. Estamos nos referindo ao cook & chill e sous-vide. Destaque-se que a NASA (National Aeronautics and Space Administration ou Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, na tradução), buscava resfriar e congelar os alimentos de forma a estancar o crescimento de bactérias, criando o primeiro resfriador rápido, cujo sistema foi aproveitado para outras áreas, como as cozinhas industriais, e a adoção ocorreu nos Estados Unidos e Europa, nos anos 1990.
O cook & chill significa um processo de resfriar e congelar os alimentos logo após a cocção, evitando-se a proliferação de bactérias e contaminação, preservando as qualidades nutricionais. Para esse processo, são necessários: forno combinado, resfriador e câmara fria de estocagem, sendo que a produção é feita de acordo com a receita e as características de cada alimento, tendo um shelf-life (prazo de validade do alimento) de 48 a 72 horas.
O resfriamento deve ser rápido e imediato, evitando os riscos citados, e o processo de embalagem poderá ser feito a vácuo ou em recipientes adequados como GN (gastronorms), após identificar o produto com informações essenciais como nome da preparação, peso e data validade, conforme a temperatura utilizada no congelamento. Esse congelamento é realizado a -18ºC, cuja finalização é realizada em forno combinado, à temperatura de 70ºC.
O sous-vide (sob vácuo) teve seu início na França, em 1970, descoberto pelo Chef Georges Pralus, que constatou que ao colocar o alimento em uma bolsa a vácuo, cozinhando em temperatura baixa, por um tempo maior, conseguia melhor rendimento e um alimento saboroso. A técnica consiste em colocar um alimento a vácuo em sacos plásticos especiais e cozê-los em temperaturas baixas controladas, normalmente entre 40º C e 90º C, variando de acordo com o alimento. Seu objetivo principal é manter a integridade do alimento, evitando a perda de umidade e sabor.
Muitas empresas evitam trabalhar nesses dois sistemas da cadeia fria, pois entendem que é oneroso, o que em geral é enganoso, devido à falta de uma análise de projeto financeiro de toda a cadeia e de prazo de retornos (pay back – tempo de retorno). Exemplos de produtividade: melhor programação de cardápios e produção, compras programadas, de menor custo e de oportunidade, produção concatenada, eliminação de desperdícios, custos com retirada de lixo, água, energia, gás e, sobretudo, menor quantidade de funcionários de produção e da parte de suporte (compras). Esses itens podem ser alavancados agregando um estudo de produtos processados.
- Técnica do APPCC
A técnica é usada na análise de potenciais perigos das operações, identificando onde podem ocorrer, decidindo os mais críticos para a segurança, os chamados Pontos Críticos de Controle (PCC ou SPOFs – Single Points of Failure, em inglês).
Dessa identificação das operações críticas são definidos os pontos de controle críticos e as ações a se tomar. Realizando a gestão e controle destes pontos garante-se a conformidade dos produtos produzidos.
As empresas de alimentação que se encontram em fase de implementação do seu Sistema de Garantia da Qualidade verificam que a ISO 9000 fornece uma excelente base para muitas iniciativas e que o APPCC se encaixa particularmente bem neste modelo.
Após a identificação dos pontos críticos de controle (pelo HACCP), a monitorização e o controle são garantidos pela ISO 9000. Como se complementam, a ISO 9000 e o APPCC devem ser usados em conjunto e são fundamentais para a evolução do negócio. Qualquer estudo de APPCC pode ser facilmente documentado em qualquer sistema de qualidade, uma vez que as atividades dessa área devem ser planejadas e definidas de forma a garantir que os resultados estejam de acordo com os requisitos especificados, que são os Planos da Qualidade. Como exemplo, pode ser um plano integrado de segurança alimentar coerente (APPCC), preparado de diferentes maneiras, por meio de um fluxograma sobre o processo e/ou especificações de análise de risco.
- Processo do APPCC
Inicia com a aquisição das matérias-primas e, consequentemente, com a sua seleção, qualificação e avaliação dos fornecedores, ressaltando que o nível de controle que a empresa pretende exercer aos seus fornecedores vai depender da natureza e intenção da utilização do material, recomendando-se que todo novo fornecedor deve ser auditado, bem como os fornecedores existentes devem ter auditoria frequente.
As matérias-primas utilizadas na confecção do produto final devem ter um controle rigoroso – determinando desta forma os pontos de controle críticos (CCP ou SPOF) no programa de análise de risco.
Durante o processo de confecção, definido pelo controle do processo, abrangem-se não só as matérias-primas, como manuseadores, equipamentos, instalações e embalagens.
Alertamos sobre os riscos provenientes de contaminações cruzadas, relativas às matérias-primas, embalagens e produtos, e devem ser instalados sistemas para redução desses riscos (este sistema deve fazer parte do programa de APPCC).
Um dos pontos críticos de controle nas empresas de alimentação refere-se ao manuseamento, armazenamento, embalagem, preservação e expedição, recomendando-se que deve haver garantia de que o produto e as matérias-primas são manuseadas, armazenadas, embaladas, preservadas e expedidas de acordo com condições que garantam a qualidade especificada. Como fatores de controle devem ser considerados os materiais de embalagem, as temperaturas de armazenamento, uma eficaz rotação de estoque e o ambiente das instalações.
Manuseadores – deve ser fornecida roupa de trabalho adequada (casacos, botas, chapéus etc.) e formação apropriada em práticas de segurança e higiene e nos processos, para que todos tenham conhecimento das instruções, normas, especificações, legislação aplicável (ou outros). É indispensável avaliar a sua higiene pessoal e ser efetuado o controle da saúde (quer definido pela legislação, quer especificados pela política de qualidade da empresa de alimentação).
Instalações – Deve estar definida a concepção higiênica das instalações, assim como os requisitos para os processos de limpeza.
Equipamento – O equipamento deve ter a manutenção adequada e, quando aplicável, verificados e/ou calibrados para assegurar que se mantém capaz de operar de acordo com os requisitos especificados. Devem ser considerados todos os equipamentos de inspeção, medição e ensaio, cujo resultado possa afetar a qualidade do produto final. Na restauração, o equipamento de medição de temperaturas é crítico. Todas as calibrações devem ser rastreadas a partir de padrões internacionais (sempre que aplicável).
- Plano de Qualidade
O plano da qualidade deve estabelecer auditorias preventivas, ter multiplicadores nas equipes operacionais (sobretudo empresas de alimentação com grande capilaridade geográfica), procurando identificar os pontos de controle para inspeções, matérias-primas e embalagem – em curso e finais. A análise de risco (APPCC) pode ser usada para identificar os pontos de controle. Uma unidade operacional distante pode gerar um risco imensurável para a empresa de alimentação e, portanto, os processos devem ter a mesma estrutura de implantação, controle e acompanhamento. Em grandes empresas desse porte este ponto nem sempre é uniforme e, quanto mais distante da sede social, mais políticas de segurança e qualidade devem estar presentes.
Após a execução das inspeções e ensaios, os problemas detectados devem ser identificados, devendo ser definido o método de identificação do estado de inspeção para prevenir a utilização inadvertida. Como exemplo de identificações: Passou/Falhou; Aceite/Recusado.
Sempre que for detectado um produto não conforme, identificado pelas inspeções, reclamações de clientes ou auditorias internas da qualidade, o sistema da qualidade deve prevenir a utilização inadvertida desses produtos até que seja tomada uma decisão de como lidar com eles. Deve ser feita a rastreabilidade do lote desse produto, de forma a possibilitar a segregação de potenciais produtos não conformes. É sempre preferível encontrar os problemas antes dos clientes e, desta forma, é indispensável a implementação eficaz do programa de HACCP e a sua monitorização.
Uma vez que um problema é identificado, há a necessidade de não apenas corrigir a situação de imediato, como também identificar, quando possível, suas causas. Uma vez que tenham sido identificadas, devem ser tomadas ações para evitar novas ocorrências. As ações corretivas devem ser endereçadas à área responsável, por exemplo, auditorias de higiene e análises microbiológicas. Quando apropriado, a utilização de técnicas de análise de risco devem ser aplicadas para preencher todos os aspectos preventivos da norma.
As auditorias da qualidade internas são de extrema importância para a empresa de alimentação, uma vez que fornecem informação preciosa para melhorar o negócio e segurança à imagem da empresa, com redução de riscos para si, seus clientes e consumidores. As auditorias podem também identificar situações de melhores práticas e podem ser estendidas para cobrir outras áreas, tais como higiene, limpeza e segurança.
A qualidade deve ser um dos maiores componentes da Proposta de Valor da empresa de alimentação.
Na terceira publicação, abordaremos, especificamente, o ISO.
José Carlos Lucentini
Fontes pesquisadas:
AMBIPAR. Você sabe o que é HACCP e como fazer a gestão do seu negócio? 2018. Disponível em: <https://www.verdeghaia.com.br/o-que-e-haccp-e-como-fazer-a-gestao>. Acesso em 23 de dez. de 2022.
BOUETARD, J.; SANTOS, J. J. Linea Fria Completa-Cocinas Centrales. Innova Concept Ingenieria. Espanha: Universidade Salamanca, 2012.
LUCENTINI, J. C. Gestão Operacional de Preços e Custos em Restaurantes. Rio de Janeiro: Livre Expressão, 2014.
MARSH, T. ASM – Affective Safety Management IIRSM – International Institute of Risk and Safety Management. England: Birmingham, 2008.