Como introdução, vamos adentrar em meados de 2019, quando as empresas estavam elaborando o seu respectivo planejamento estratégico e orçamentário para 2020 e anos subsequentes, período em que o Brasil vinha recuperando gradualmente o nível de atividades, com a Reforma da Previdência Social aprovada e outras encaminhadas ao Congresso, como a Reforma Tributária e propostas de redução no endividamento interno, da taxa de desemprego, taxas de juros e câmbio compatíveis e a Bolsa de Valores operava próxima a 120 mil pontos no Ibovespa. Alguns bancos previam para 2020 redução da taxa de desemprego e crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e seus efeitos benéficos em toda a cadeia produtiva.
As projeções favoreceriam às empresas, de forma geral, no crescimento de vendas e lucros no período de 2020 e 2021. Dentre elas, destacam-se as montadoras de veículos, que projetavam vendas internas de três milhões de unidades – um crescimento de quase 20%.
PIB 2,2% | IPCA 3,8% | Câmbio R$ 4,00/ US$1 |
Balança Comercial
+ BR$ 38,4 |
Taxa desemprego 10,3% | Investimento Estrangeiro BR$ 82,5 |
Todavia, as restrições continuaram cada vez mais constantes e longas, e os impactos sobre a economia foram maléficos.
PIB -4,1% | IPCA 4,5% | Câmbio R$ 5,19/ US$1 |
Balança Comercial
+ BR$ 50,9 |
Taxa desemprego 14,1% | Investimento Estrangeiro BR$ 34,1 |
O novo cenário divulgado pelas principais instituições financeiras do país indicam um pico de inflação em agosto próximo a 7% e uma queda atingindo a 5,1% em dezembro/21; o PIB com crescimento entre 3,5% a 4%; a Selic a 5,5%. As expectativas são favoráveis e demonstradas no índice Bovespa, que há um ano estava a 90 mil pontos, e em 31/05/21 atingia a 126 mil pontos, um crescimento de 40%, com o endividamento público acima de 90% do PIB. Algumas indústrias já iniciam a retomada de crescimento, dentre elas as montadoras de automóveis, a indústria de embalagem e o e-commerce, surgindo com muita força, levando produtos e serviços diretamente aos consumidores em suas residências, novas tecnologias, dentre outros.
Por outro lado, há muitas empresas endividadas, muitos estabelecimentos comerciais fechados e muitos fecharão após passar a pandemia. Isso se justifica no aumento das taxas de desemprego, subemprego.
Como lidar com esse cenário?
O orçamento ou budget representa o plano geral de operações, expresso em termos quantitativos, que abrange todas as fases das operações para um período futuro definido, com políticas estabelecidas para um determinado período de tempo.
De forma geral, neste momento as empresas estão buscando sua sobrevivência, deixando de lado, desta forma, qualquer planejamento. Isso se deve à queda drástica nas vendas e à luta para equilibrar o caixa e, com isso, aplicando redução nos salários, corte de custos e despesas, postergação de impostos e fornecedores em geral, redução de empregos e aumento no endividamento, dentre outros.
Segundo conversas que tenho tido com alguns profissionais de Compras, a ordem é reduzir tudo o que se puder agora, em termos de custos em geral, e no próximo ano as empresas verão o que será possível realizar.
Concebe-se que os planejamentos realizados no final de 2019 estão engavetados e, provavelmente, ignorados. A pergunta que vem é: ocorrendo a retomada lenta, mas gradual de abertura dos negócios, como reconstruiremos a nossa empresa?
- O OBZ (Orçamento Base Zero) e sua importância em momentos de crise
Destacamos que há técnicas disponíveis que podem ajudar as empresas na sua reconstrução, que são os orçamentos OBZ (Base zero), apoiados pelo Orçamento Perpétuo, cujo objetivo é analisar causa-efeito e o Orçamento de Atividades que se baseia no método de custeio ABC (que analisa processos, gargalos e sua contribuição aos resultados). O OBZ, ao nosso ver, deve ser a metodologia inicial a ser aplicada, nessa abertura gradual do isolamento, e tem como meta principal “fazer mais com menos”.
Os objetivos do OBZ são a redução de custos, alocar os recursos econômicos e financeiros com base nos objetivos e metas do negócio, avaliando os gastos de forma meticulosa. Seus princípios são: garantir a sobrevivência da empresa, mesmo num cenário ruim, e os gastos e despesas fixas devem ser menores que a margem bruta de contribuição (vendas bruta menos impostos), considerando o pior cenário possível.
Enquanto os modelos tradicionais de orçamento têm como premissa bases incrementais, ou seja, levam em consideração o período anterior, mais os incrementos em vendas, custos e despesas, o OBZ desconsidera essas bases e reconstrói a organização iniciando “tudo da estaca zero”, classificando as atividades por ordem de importância e prioridade.
Um equívoco dos gestores é aumentar suas receitas antes de reduzir os custos de processos e despesas, pois muitas vezes estes esmorecem quando o assunto é redução de despesas e custos, e ficam desorientados sobre como iniciar o processo. O OBZ traz uma necessidade de mudança e comportamento de todas as equipes envolvidas, pois elimina certos padrões existentes ao longo dos anos na mente dos gestores que, em geral, trazem resistência ao novo, para serem consistentes com tudo aquilo que sempre fizeram (Teoria da Consistência). Portanto, para a implantação do OBZ recomenda-se ter profissionais especializados no tema.
Dentre as principais vantagens do OBZ está a possibilidade de monitorar os custos e despesas mais próximos à realidade, além de condições de avaliação dos fornecedores e qualidade nas entregas, identificação dos projetos que realmente necessitem de alocação de recursos financeiros e rápida adaptação a mudanças no segmento de atuação e de riscos sistemáticos.
- Como utilizar e preparar o OBZ
O OBZ é mais trabalhoso que os demais sistemas orçamentários, mas sua eficácia produz excelentes resultados, racionalizando a estrutura de custos e despesas e a competitividade da empresa no mercado. Há três conceitos para a sua elaboração:
- a) Orçamento Limiar: são as atividades mínimas para a empresa funcionar, os custos e despesas mínimos que uma empresa ou departamento precisam incorrer para conseguir produzir, realizar as suas tarefas básicas e atender às exigências legais, considerando o pior cenário possível, denominado “cenário de sobrevivência”.
- b) Incrementos: são os gastos de determinadas atividades de um departamento, fatiados em atividades, valorizando todos os recursos necessários: pessoas destacadas para o desenvolvimento de rotinas, despesas e investimentos.
- c) Torre: ao utilizar o OBZ é necessário criar uma torre que classificará as atividades em ordem de alta prioridade de realização, questionamentos e análises sobre atividades propostas e baixa prioridade, sempre tendo como foco os planos estabelecidos ou a atual estratégia da empresa. Quanto mais perto da base da torre, maior a prioridade e aderência à estratégia empresarial.
- Roteiro de preparação do OBZ
1) Plano estratégico, definindo as premissas e padrões, tendo uma visão atual do negócio e onde se deseja chegar face o ambiente em que a organização atua, a conjuntura econômica e social, estabelecendo as principais diretrizes de vendas, compras, produtividade e investimentos, tendo como instrumento-base os Indicadores de Desempenho.
2) Descrição de cada atividade, que denominamos de “orçamento limiar”, os valores-base para cada área e a identificação das atividades não prioritárias, além dos recursos que serão disponibilizados.
3) Definir a matriz de responsabilidades: Após a elaboração e definição das atividades prioritárias, não prioritárias e as questionáveis, definem-se as metas orçamentárias das atividades remanescentes e as eventualmente terceirizadas.
4) No acompanhamento do OBZ será verificado o desempenho das atividades e como as despesas reais e efetivas estão em relação ao previsto no Orçamento, sendo monitorados diariamente por meio de sistemas integrados de gestão (ERP).
Para o sucesso do OBZ todos os colaboradores da organização devem estar envolvidos e comprometimentos. Desta forma, há o compartilhamento e maior conhecimento entre as áreas que compõem o OBZ, o que permitirá atingir as metas estabelecidas, devido ao senso de comprometimento e responsabilidade comuns.
Finalizo este artigo com uma frase importante de W. Edwards Deming, extraída no capítulo de seu livro “Qualidade, A revolução da Administração”, que trata da Teoria do Conhecimento (p. 22): “Não há conhecimento sem teoria. A experiência de administrar não serve para melhorar o gerenciamento, a menos que estudada com apoio de uma teoria que é uma explicação de eventos passados e de uma previsão de eventos futuros”.